Os Estranhos

(Bryan Betino, EUA, 2008)

Em Os Estanhos, o estreante diretor texano Bryan Betino realiza uma direção competente, rendendo bons sustos ao telespectador ávido por diversão e brindando o público cinéfilo com uma referência explícita ao filme do diretor austríaco Michel Heneke, Violência Gratuita (Funny Games).

Betino mostra que sabe filmar bem. Consegue usar o roteiro a favor do filme, utilizar o som de maneira inteligente, escolher bem seus cortes e, dessa forma, construir um jogo de olhares que consegue manter a tensão durante quase todos os momentos da projeção.
O argumento do filme não é, em si, original. Mas essa pode ser uma escolha consciente de quem opta por tirar proveito das possibilidades- temáticas e formais- que determinado gênero oferece. Com Os Estranhos, Betino opta, simplesmente, por fazer um filme de suspense ao modo clássico.
Uma narrativa óbvia mostra James (Scot Speedman) e Kristen (Liv Tyler), um casal que, depois de uma situação de crise, vai passar uma noite na casa de veraneio dos pais de James, em um subúrbio completamente isolado, no Texas. Dada essa situação, sabemos o que vai acontecer dali pra frente. No entanto, Betino consegue criar uma atmosfera com densidade, agregando o sentimento da crise vivida pelo casal à tensão da perseguição.
Kristen acabara de recusar um pedido de casamento de James e, por conseqüência, os dois encontram-se melancólicos e monossilábicos. Speedman desempenha uma boa interpretação, mostrando-se, simultaneamente, abalado pelo sentimento de ter sido desprezado e pela tensão da ação. Ponto para Betino, que consegue construir uma narrativa em camadas, na qual a interioridade dos personagens não desaparece em meio às ações, mas, ao contrário, funde-se a ela, potencializando o efeito dramático da narrativa.
O trabalho com o som também é um ponto forte. Distanciando-se de uma utilização gratuita e exagerada dos efeitos sonoros, na qual o cinema hollywoodiano é mestre, Betino usa o som de forma pensada, explorando o invisível através de ruídos sugestivos e trabalhando de uma forma eficiente o espaço fora da tela. O bater de uma porta, o som da vitrola, um toque de celular, todos surgem de forma justificada, sem carregar desnecessariamente a faixa sonora da película.
Em Os Estranhos há um esforço bem sucedido em se trabalhar com índices, vestígios. É a imagem de uma janela quebrada, de uma máscara atrás do vidro, de uma mancha de sangue na parede que irá fornecer ao telespectador os significados necessários para compor o sentido do filme.
Dessa forma, o estreante diretor mostra conhecer bem o gênero com que está trabalhando e dele tirar o proveito possível. A construção do olhar engendrada por uma decupagem consciente mostra que Betino entendeu bem as lições do grande mestre do suspense, Alfred Hitchcok. São os ângulos nos quais decide posicionar a câmera, conjugados aos cortes nos momentos oportunos que mantêm a atenção do telespectador, sem que seja preciso recorrer à "violência gratuita".
Daí parecer, em certo sentido, ambígua a referência que faz ao filme de Heneke. Pois por mais que seja clara a inteção em fazer um trabalho de intertextualidade cinematográfica, a forma de filmar do texano em Os Estranhos em nada se assemelha a do diretor austríaco.
As referência a Funny Games são diversas e vão desde as mais sutis como a semelhança do argumento, no qual os malfeitores não tem qualquer motivação para perpetrar seus atos de violência (torturam psicológica e fisicamente suas vítimas simplesmente porque estavam sem nada para fazer e os dois "estavam em casa") até a mais explícita, na qual dois moleques com cara de psicopata fazem uma aparição sem qualquer função no roteiro, apenas para fazer referência aos dois protagonistas mafeitores de Funny Games. Sem contar, ainda, com o trabalho de diegese em cima de musiquinhas pertubadoras que saem de uma vitrola e uma ida de James ao celeiro com uma espingarda, exatamente como faz o filho do casal no filme de Heneke.
É dessa forma que Os Estranhos, unindo uma homenagem- talvez seja mais correto chamar assim- a um filme polêmico sobre a violência, às lições daqueles que nos mostraram que sugeri-la ao invés de mostrá-la pode ser muito mais interessante, faz um filme que pode agradar a diferentes públicos.

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