A queda do muro e a crise dos paradigmas: o "sistema" e o "Homem de ferro"

De quem é culpa de você estar doente e não poder ser atendido em nenhum hospital, do ar poluído que você está respirando, da água no seu planeta estar acabando, do seu celular parar de funcionar de repente, da sua conta de luz vir superfaturada, de você não poder andar pela cidade sem medo de ser assaltado, da polícia do seu país ser corrupta, de você passar horas no seu dia enfiado num trânsito, das guerras civis e doenças na África, do terrorismo estar se espalhando pelo mundo, dos alimentos que você come serem cancerígenos, de você não ter mais emprego?
Meu pai caiu na luta armada para brigar contra a ditadura que se instalou no Brasil em 1964. Havia um vilão muito claro: a direita, os militares, os americanos ganhando dinheiro com a venda das armas em cima do terceiro mundo. Havia o pensamento de esquerda, os entusiastas do comunismo, do socialismo, de Fidel, de Che. Era tudo uma questão de ser ou não ser capitalista. Podia não se ser capitalista.
Mas o muro de Berlim caiu, o socialismo se desmantelou, as ditaduras foram quase todas derrubadas. Não há mais como se responder de que lado se está, porque não há mais lados. Há o “sistema”. E ou se está dentro dele. Ou dentro dele.Viver sem culpados, com certeza é mais difícil. E o “sistema” não tem culpados. Mas também não tem inocentes. Quando o homem de ferro percebeu que fabricar armas era algo terrível para a humanidade e resolveu fechar sua companhia, o Iraque já estava tomado de tanques e metralhadoras. Quando lhe exigiram explicações, ele responde da melhor forma possível: "Eu não sou a minha empresa".
Mas o “sistema” tem lógica própria. E o homem pode desistir de sua empresa, mas isso não significa que ela vá parar de funcionar. Estar no “sistema” é não poder escolher lados, é não poder estar “fora”, é não poder fechar a empresa. É a crítica de Hollywood contra o capitalismo usando um herói de história em quadrinhos poder ser mais anti- “sistema” do que os manifestos contra a globalização, os jovens vestindo camiseta do Cheguevara e explodindo as fachadas dos bancos e McDonalds.
Viver no “sistema” é uma tarefa difícil. Não temos ditadura para derrubar, não temos militar para xingar, xingamos a gravação da operadora de telefonia. E ela nunca revida. Mas faz você desistir de cancelar a sua conta. Vitória da empresa? Mas quem é a empresa? O capital não é aberto? Não são milhares de ações e milhares de donos? E as ações não estão nos bancos? E quem faz os bancos? E quem trabalha nele? E quem tem conta nele? E, no final as contas, você não continua com a sua conta no banco e a sua linha de celular? Você xingou, xingou, e, no final das contas, desistiu de cancelar sua conta.
Em Condor, aquele documentário sobre as ditaduras na América Latina, um dos depoentes diz uma certa hora que o objetivo do regime, dos ditadores torturadores era “fazer você passar para o lado deles, era transformar você num colaborador”. O Capitalismo é um sistema de torturados. Porque só tem colaborador.
Viver num mundo repleto de crimes sem autores é a angústia da minha geração. Eu já desisti de sair da cidade, de ir para o mato montar minha comunidade hippie, de ir viver de paz e amor e longe das relações de poder. Afinal, o muro de Berlim caiu e eu percebi que posso caminhar o quanto for que não vou achar o lado de lá.O melhor que podemos fazer é tentarmos entender o mundo que vivemos. Esse blog tem essa função. É para ser um espaço de discussão sobre o mundo, sobre toda e qualquer coisa, sem distinção, tudo e todos são bem-vindos, os de direita, os de esquerda, os simpatizantes de Che, os simpatizantes do homem de ferro, os verdes, os que desistiram de ir para a comunidade hippie, os que foram, mas que levaram seu laptop!
Vamos tentar ser honestos, tentar parar de procurar os criminosos, tentar entender o ponto de vista do outro. Parar de fazer CPI, de chamar o cara de fascista só porque ele tocou na ferida. Ao invés disso, vamos tentar entender a ferida. Vamos tentar entender a nós mesmos. E o outro.
Afinal, estamos juntos nessa, todo mundo faz parte do “sistema”. Talvez os índices de suicídio na Suécia diminuam quando o IDH do Sudão melhorar. Talvez haja menos homens bombas quando houver menos homens fardados. Não sabemos. Vamos olhar para o “sistema” para poder entendê-lo. E falar sobre ele aqui, nesse blog especialmente dedicado e ele.
Acredito, dessa forma, estar combatendo as novas formas de ditaduras que ainda estão sem nome. Acredito, dessa forma, estar exercendo uma nova forma de cidadania, ainda não ensinada nas escolas.

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